A dona da festa

Olhou para o outro lado, disfarçando, como se não estivesse vendo, ele entregar os convites do aniversário, para algumas pessoas. O convite era lindo, bem colorido, sentiu uma pontada de inveja, sabia que não tinha um convite com o seu nome, nunca a convidavam para as festas. Ficava só observando, existia o grupo dos populares que estavam em todas, e o resto, que nunca estava incluído na lista, e essa era a turma da qual fazia parte. Não sabia, por qual motivo, talvez, porque não pudesse comprar o presente, ou porque pensassem que não tinha uma roupa adequada para ir à festa ou que não soubesse como se comportar, inúmeras possibilidades, mas nenhuma que justificasse a exclusão. Ela sofria porque era rejeitada, o tempo não apaga essas marcas, influi no comportamento e até na vida adulta. Brincavam juntos no recreio, tomavam o lanche sentados na mesma mesa, nunca entendeu, porque não era convidada para as festas, queria tanto saber como era o mundo deles, não queria ser excluída, não gostava de ser maltratada, aquelas crianças faziam questão de mostrar que não era bem vinda, tão malvados. Mas, naquele dia, o Eduardo, o menino que ia fazer a festa, veio sorridente na sua direção e falou que gostaria que ela fosse à festa dele e lhe entregou um convite. Ela ficou sem fala, não acreditou, ficou tão chocada, que não teve reação, não conseguiu agradecer, só depois de um tempo conseguiu se recuperar. Acho que nunca foi tão feliz, tinha vontade de pular e sair mostrando para todo mundo, que também tinha sido convidada, mas não disse nada, por causa dos outros, pegou o convite e ficou quietinha. Sua primeira festa da sala, tinha 09 anos, o ano era 1979. A alegria era tanta  que não via a hora de chegar em casa e contar para sua mãe que tinha sido convidada. Saiu correndo na hora de ir embora, o areião quente da avenida Presidente Kennedy, parecia areia molhada e firme, já chegou gritando: Mãe, você não vai acreditar, meu amigo me convidou para a festa de aniversário dele! Olha, me deu o convite! Você vai deixar eu ir né?
-Filha, como você vai? Tem que comprar o presente e você não tem roupa para ir!
-Mãe, eles nunca me convidam para ir nas festas, se eu não for dessa vez, nunca mais vão me chamar!
-E quando que é a festa?
-É amanhã, ele deu convite só para algumas pessoas.
-Como que eu vou arrumar dinheiro para comprar o presente, a roupa e o sapato para você ir?
-Mãe, por favor, dá um jeito! Faz alguma coisa! Eu preciso ir nessa festa.
-No sábado, vai ter um bazar da pechincha, só se a gente fosse lá, cedinho para comprar uma roupa, só que não vai dar tempo de lavar. Chegou no bazar da pechincha antes de abrir, ficou lá na fila esperando. O dinheiro não deu para comprar os sapatos, mas encontrou uma saia e uma blusa marrom e vinho de mangas compridas, com babados e finos fios dourados e botões combinando. Chegando em casa, colocou a roupa no sol, serviu direitinho, não precisou apertar nada, pegou a escova no tanque, esfregou os sapatos de plástico marrom, até sair todo o grude de terra, foi na escola a semana inteira com ele, estava sujo e não tinha outro, combinava certinho com a cor da roupa, limpo nem parecia o mesmo. Não lembra mais o que levou de presente para o seu amigo, mas se sentiu tão importante naquela festa, entrou no seu coração naquele dia, uma porção extra de dignidade, percepção de que era gente. Chegou cedo, quando ele veio lhe receber na porta, agradeceu o presente, e disse que ela estava linda, a apresentou para a família e a convidou para conhecer a casa. Conforme os amigos da sala iam chegando, não conseguiam disfarçar, cochichavam e os olhos deles diziam: O que ela está fazendo aqui? Não acredito que o Eduardo chamou essa favelada para vir na festa. Era um tempo onde ricos e pobres eram ensinados no mesmo lugar, só se separavam na hora de ir embora. Ela estava radiante,  lembrou de todas as recomendações da sua mãe, sobre como se comportar, nada ia impedir que fosse feliz naquele dia. Foi tratada como gente importante, aquele convite foi a sua carta de alforria, se sentiu digna de estar naquela festa, entrou pela porta da frente, tinha o mesmos direitos que todos os outros convidados de participar daquele evento. A rainha do baile, nunca mais foi impedida, por preconceitos, de ocupar o seu espaço. Dali em diante, percebeu que, podia estar em qualquer lugar que quisesse, aquela festa trouxe a percepção da sua existência, a parte que o preconceito havia roubado. Nunca ninguém soube, que a roupa era usada, comprada na pechincha ou que não havia sido lavada, a única coisa que importava era o sacrifício que a sua mãe fez, para comprar o presente e a roupa e que a garota desprezada, estava linda, foi tratada como igual, sem diferenças  e daquele dia em diante nunca mais deixou que a tratassem com ser inferior. Ouvimos falar em preconceito racial, em homofobia, mas a pobreza, segrega e escraviza as pessoas de um jeito doloroso. Aquela festa foi o seu grito de liberdade, dali em diante se viu livre de todas as amarras que a prendiam. Nunca teve vergonha ou esqueceu as suas raízes, as suas heranças culturais. Quando percebeu que era alguém, a garota tímida e pobre, criou coragem, virou o jogo, a gata borralheira viveu a vida da cinderela. O Eduardo, o menino da festa, depois de 40 anos, não sabe que fim levou, mas aquela garota pobre, a partir daquele dia, perdeu o medo e conquistou o seu espaço, com muito esforço e estudo, a vida lhe sorriu em todos os aspectos, ela nunca esqueceu essa história. Agora, deu a volta por cima, a festa é sua, é ela quem faz a entrega dos convites. O príncipe a levou para morar no castelo, e foram muito felizes.
                                                             

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