A gente já morreu

As mortes, nessa pandemia, estão causando grande pavor, estamos intranquilos quanto ao nosso futuro, desesperados com medo de morrer ou causar a morte de alguém que amamos. O nome de Deus, nunca esteve tão presente na vida das pessoas, nunca oramos tanto, nunca sentimos tanta vontade de ler a bíblia ou ir para a igreja, sentimos desejo de viver, juntos em família. O que muitos não perceberam, é que já havíamos morrido outras vezes, em maior número e em maiores proporções. O anjo da morte, já esteve aqui, outras vezes, aliás nos visita com grande frequência, a gente estava ocupada e nem percebeu a sua presença, não houve comoção.

A gente já morreu pela violência

A gente já morreu pelo descaso das autoridades

A gente já morreu pela corrupção

A gente já morreu pedindo por liberdade

A gente já morreu por causa das enchentes

A gente já morreu por causa da seca

A gente já morreu por causa dos deslizamentos de terra

A gente já morreu abandonada nos asilos e nos orfanatos

A gente já morreu por não respeitar as regras de trânsito

A gente já morreu por causa do feminicídio

A gente já morreu por estupros

A gente já morreu de fome

A gente já morreu por falta de hospitais e excesso de estádios

A gente já morreu sem saneamento básico

A gente já morreu por falta de moradia decente

A gente já morreu por causa das drogas

A gente já morreu, bêbado, dormindo na calçada

A gente já morreu de sede

A gente já morreu por doenças que poderiam ser evitadas

A gente já morreu dormindo nas calçadas

A gente já morreu de tristeza

A gente já morreu por suicídio e por balas perdidas, que matam quem deseja viver

A gente morre viva, sem ver o outro morrer

A morte, por si mesma, causa temor e dor, imagina saber que a morte de alguém querido está ligada à estupidez humana. Todas as vidas tem o mesmo peso, e a balança não pende para um só lado, mesmo que a gente não veja, se o barco virar, morremos todos. Desejo que o sofrimento dessa quarentena, abra os nossos olhos para o que acontece quando não estamos trancados, sendo livres para fazer algo que mude a vida de alguém e sem vontade para se importar

Déa Corrêa.